Muitas pessoas acreditam sofrer de compulsão alimentar, porém desconhecem todos os aspectos que esse transtorno envolve. Na prática o que vejo é uma confusão entre o comer transtornado e a compulsão propriamente dita.
Hoje falaremos sobre compulsão alimentar, mas para contextualizar é importante termos a clareza sobre o que é o comer transtornado. Na literatura científica ele é descrito como um conjunto de problemas alimentares amplos, incluindo comportamentos disfuncionais, na busca de um determinado objetivo que tem relação com o peso (perda, ganho, controle). Apesar de não ser considerado um transtorno alimentar, para muitos autores e especialistas da área, o padrão de pensamento e os comportamentos disfuncionais praticados são fatores de risco importantes para o desenvolvimento desses transtornos. Assim podemos concluir que trata-se um pré-transtorno.
A compulsão alimentar é um transtorno psiquiátrico diagnosticado através de critérios bem definidos, pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, atualmente na sua 5ª edição (DSM-V). Destaco os principais:
Episódios recorrentes de compulsão alimentar (pelo menos uma vez por semana, ao longo de três meses), onde o indivíduo apresenta descontrole em relação ao ato de comer, ingerindo quantidades maiores que a maioria das pessoas conseguiria, em um determinado período sob as mesmas circunstâncias. Após o episódio de compulsão, não há manifestação de comportamentos compensatórios inapropriado ( vômitos, exercícios extenuantes, uso de laxantes, dietas restritivas)
É importante notarmos que a falta de controle está presente, porém não é considerada absoluta, pois pode ocorrer do indivíduo parar de comer ao perceber a presença de outra pessoa. Certas vezes a falta de controle aguda pode ser referida como padrão generalizado de ingestão descontrolada. De qualquer forma, é característico do episódio de compulsão alimentar que o término ocorra quando houver a sensação de estômago desconfortavelmente cheio. Também está presente uma certa urgência, rapidez em comer, preferência do indivíduo por alimentar-se sozinho, por sentir vergonha da quantidade de alimentos que ingere e ausência de fome física. Como consequência, esse comportamento gera sofrimento para o indivíduo, uma vez que desperta sentimentos como culpa, vergonha, insatisfação com seus atos, com a falta de controle e até com a imagem corpo.
A elevação do peso corporal e a obesidade podem estar presentes como consequência do transtorno, mas não pode-se afirmar que todo indivíduo com obesidade apresenta transtorno da compulsão alimentar.
O tratamento não tem como foco o peso, mas procura controlar o transtorno, para evitar o desenvolvimento de novas doenças, como por exemplo a obesidade. Porém é importante ressaltar que o sucesso do tratamento ou das abordagens utilizadas não será determinado pela presença da perda de peso e sim pela evolução de diversos aspectos que irão ser trabalhados e que extrapolam o universo dietético.
A identificação e manejo dos gatilhos que desencadeiam os episódios de compulsão é uma questão central no tratamento e se dá através do desenvolvimento das habilidades do paciente em lidar com as situações estressantes e emoções intensas, de forma diferente daquela que ele vem fazendo. O autoconhecimento, ensina o paciente a nomear as emoções e reorganiza as crenças disfuncionais. A aceitação da autoimagem também é um ponto importante, pois evitará que no futuro, o paciente recorra às dietas restritivas em busca de um padrão estético imposto pela sociedade.
Dietas desequilibradas e restritivas estão associadas a episódios de compulsão alimentar, mesmo em indivíduos que não apresentam o diagnóstico de transtorno, tornando-se um importante fator de risco para os diagnosticados em remissão parcial e completa. Desconstruir a visão dicotômica dos alimentos e capacitar o paciente em relação ao benefício de um padrão alimentar constante, variado, sem extremos, possível de ser aplicado em seu contexto, gera autonomia e possibilita resultados sustentáveis e reais. Aprender a diferenciar a fome fisiológica da fome emocional, assim como resgatar os sinais fisiológicos da fome e saciedade são estratégias que trazem benefício para o paciente e contribuem para o autoconhecimento. Por fim, ao longo do tratamento é importante entender que existem consequências metabólicas acarretadas pelo atual comportamento e por esse motivo também a reversão do quadro se faz necessária.
Referências Bibliográficas:
American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 (5a ed.). Porto Alegre: Artmed.
BLOC, L. G. et al. Transtorno de compulsão alimentar: revisão sistemática da literatura. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 11, n. 1, p. 3-17, abr. 2019 . http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i1.617
PHILLIPI, S. T. et al. Nutrição e transtornos alimentares: avaliação e tratamento. Barueri: Manole, 2011. 521 p.
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